05/04/2011




Flexibilidade
Como estabelecer limites, sem rigor extremo, e tornar as relações mais leves

No passado, achava-se que , quanto mais abertos os amantes fossem entre si, melhor para o casamento. Atualmente, sabemos que isso não é verdade. Em fases de transição, todos nos sentimos mais vulneráveis: perder um emprego, mudar de cidade, ter um filho constituem períodos estressantes que, muitas vezes, desequilibram até casais estáveis, que conhecem seus limites.

Não é fácil enfrentar e solucionar os conflitos à medida a que vão ocorrendo. É o caso da mulher que começa a crescer na carreira profissional no exato momento em que o marido sofre um retrocesso, ou até perde o emprego. Pela lógica, estaria tudo bem, porque a boa notícia, logo comunicada, compensaria a má, a ascensão dela diminuiria o revés dele; enfim, a situação financeira do casal não ficaria seriamente abalada. 

Na maioria dos casos, no entanto, essa inversão de papéis, essa mudança nos termos da relação, acaba atingindo o equilíbrio dos parceiros. Resultado: crise profissional, crise emocional, crise conjugal. Outras vezes, o passado invade o presente e nos perdemos em nossos sentimentos. 

Todos nós enfrentamos esses momentos de incerteza, todos já ficamos olhando solitários por uma janela, em noite chuvosa, sentindo-nos desesperançados e perdidos, imaginando se o pior ainda está por vir. Aí, voltamos ao presente e constatamos que, quando um problema parece estar-se atenuando, surge outro e toma seu lugar. Nossas expectativas podem realizar-se, mas de certo modo, ainda somos os mesmos. 

Não é fácil caminhar pela vida, não é fácil construir o próprio caminho, a cada dia. Até os anos 80 do século passado, acreditava-se que os melhores relacionamentos eram como aqueles sanduíches quentes em que o recheio vinha todo misturado. Seria bom se fosse verdade, mas agora sabemos que não é. Nossa individualidade depende de cada um ser capaz de reconhecer e aceitar as próprias fronteiras e as do outro. Uma fronteira, um limite marca o lugar onde nossa realidade começa e acaba e também a de nosso parceiro. Limites são uma forma de garantir que podemos ser nós mesmos, assim como podemos nos relacionar intimamente. (O que é meu é meu, o que é seu é seu, o que é nosso é nosso). 

São essas fronteiras que nos fazem com que sejamos capazes de conter os sentimentos da pessoa que amamos e assim mesmo preservar nosso coração; que não despejemos nosso "caminhão de lixo" sobre a pessoa amada e transformemos seu coração em nosso depósito de entulho emocional. 

Ao saber regular, calibrar, controlar nossos limites, decidimos quem pode se aproximar de nós, e quanto. Aí entramos em contato com nossos desejos, nosso "sim" e nosso "não", que podem ser diferentes no momento dos desejos, do sim e do não do outro. Às vezes, dizemos sim e abrimos as portas de nosso coração de par em par. Em outras ocasiões, dizemos simplesmente "não"; nesse caso, "não" é uma sentença completa. Quando não estamos emocionalmente disponíveis, a porta de nosso coração pode ficar temporariamente fechada, trancada ou travada. O limite delineia qual é o espaço físico e psíquico de cada um dos amantes. Podemos ser firmes sem ser agressivos.
Existem formas e formas de dizer: "Não gosto, não quero, não vou" . Um "não" convicto, mas amoroso, é muito melhor do que um "sim" que contrarie nossos sentimentos. Ao compreender mais sobre limites ("onde começamos, onde acabamos; onde começa o outro, onde ele acaba"), descobrimos que eles nos protegem sem nos manter afastados de nosso parceiro. 

Como explica o psicoterapeuta americano Charles Whitfield em seu livro Boundaries and Relationships (Fronteiras e Relacionamentos), se tivéssemos sempre limites rígidos, manteríamos o outro fora de muitos espaços de nossa vida e terminaríamos nos sentindo isolados, vazios, alienados. Se tivéssemos apenas limites frágeis, imprecisos, permeáveis, deixaríamos o outro invadir nossa vida de tal maneira que acabaríamos confusos e sobrecarregados com todos os seus problemas, com suas preocupações. 

O ideal é estabelecer limites flexíveis, que se abrirão ou se fecharão de acordo com nossos desejos, necessidades, sonhos e esperanças. 

*Maria Helena Matarazzo é sexóloga e autora de Coragem para Amar, da Editora Record.

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